2 de março de 2012

O Post Escatológico do Champ - Parte I


Era uma vez uma casa de espetinhos.

Era uma casa bonitinha, na Vila Mariana, e com um vasto cardápio que contava com espetinhos de diversos sabores. Pelo seu charme, era frequentada não apenas pelos moradores e trabalhadores da região, como por gente que ia de longe experimentar suas especialidades.

Mas seu grande movimento era no final de semana, já que, nos dias úteis, ela ficava mais vazia, quase como um restaurante normal de bairro, com poucos frequentadores.

Como eram os casos daquele baixinho careca e do jovem cabeludo que estavam saindo pela porta, após pagarem sua conta.

Como vocês devem ter imaginado, o baixinho careca era eu. Já o rapaz cabeludo era o filho da Namorada. Era um dia de semana e havíamos almoçado ali. Quer dizer, talvez ele tenha almoçado. Eu praticamente chafurdei em espetos atrás de espetos. Picanha, linguiça, costela, costela de porco, alcatra, picanha, pão de alho, linguiça com pimenta, picanha, picanha, pão de alho e picanha.

Com latas e mais latas de Coca durante a refeição e uma cerveja no final.

Após essa orgia alimentar – que faria Calígula subornar metade do Império Romano para conseguir um convite – qualquer pessoa normal teria ido ao hospital, chamado a recepcionista e pedido um quarto, avisando que desculpe, não tenho reservas, mas será que não dá para encontrar um jeitinho, porque eu devo morrer nas próximas horas.

Eu? Eu nem pensei em hospital. Apenas me virei para ele fiz o convite:

- Vamos passear na Comix?

Sim, foi uma ideia estúpida, porque eu havia acabado de comer feito o Obelix no final de qualquer aventura dos gauleses. Aliás, bem estúpida, porque estava um calor infernal. Aliás, foi uma ideia particularmente estúpida também porque eu ainda precisava passar no mercado antes de voltarmos para casa.

Na verdade, somando tudo isso, podemos apontar que esta talvez tenha sido uma das ideias mais estúpidas que tive na vida. Aposto que se minhas ideias estúpidas resolvessem eleger um presidente, esta ganharia logo no primeiro turno, e ficaria no governo por dois mandatos.

Assim, como ideias estúpidas não possuem graça sem serem colocadas em prática, fomos até a Comix, debaixo daquele calor escaldante que não ajudou em nada a conter a pequena revolução que se anunciava dentro de mim. Mesmo sem desconfiar disso, meu sistema digestivo havia se tornado em uma espécie de Oriente Médio, pronto para ignorar os avisos da ONU e começar a ser palco de atentados e bombardeios.

Mas, como disse, tudo correu relativamente bem até chegarmos à Comix. Os problemas começaram de verdade, mesmo, lá dentro.

Aparentemente, os espetinhos encararam o fato de eu atravessar parte da cidade com eles dentro do meu estômago como uma espécie de audácia da minha parte e começaram a me punir.

Ou isso, ou eles não gostam de X-Men, porque bastou eu folhear uma edição dos mutantes da Marvel para começar a trovejar nos Jardins. Diversos estrondos começaram a ecoar sobre o bairro, anunciando uma tempestade de proporções bíblicas.

Enquanto todos os clientes e vendedores olhavam em direção à rua, eu rapidamente me escondi na seção de mangás, torcendo para que ninguém percebesse que os trovões, na verdade, vinham do meu estômago. Tentei mandar meu sistema digestivo calar a boca antes que fôssemos expulsos da loja, mas é evidente que fui totalmente ignorado e os estrondos continuaram.

Era um período de guerra civil (Star Wars mode: on). E não iria demorar até alguém colocar a Estrela da Morte em funcionamento.

Cerca de meia hora depois, deixamos a Comix. Agora, tínhamos um pacote de quadrinhos, algumas centenas de reais a menos e – ao menos do meu lado – a certeza de que minha vida estava chegando ao fim. Afinal, quando você começa a sentir pontadas dentro do seu corpo a cada trinta segundos, é sinal de que as coisas não estão nada bem.

Dentro do metrô, aparentemente, um conflito explodiu dentro de mim. Fechando os olhos, eu podia ver centenas de células rebeldes guerreando com paus, pedras e bombas caseiras nos meus intestinos, enquanto células policiais tentavam manter a ordem com cavalaria e bombas de gás lacrimogêneo. Estação Trianon Masp.

De repente, o governo se cansou dos rebeldes e deu a ordem para que o exército ocupasse as ruas. Assim, tanques de guerra começaram a percorrer as principais avenidas em busca dos rebeldes, que, por sua vez, atacavam os veículos com coquetéis molotov e um lança mísseis conseguido sabe-se lá onde. Estação Brigadeiro.

Contudo, a sorte favorece os audaciosos (Gladiador mode: on) e os rebeldes conquistaram uma vitória significativa ao invadirem o Ministério, tomando o poder sobre o prédio. Diversos ministros foram capturados e muitos deles executados em praça pública como demonstração do fim do antigo regime. E, a cada ministro morto, eu, suando frio no metrô, gemia a ponto de fazer as outras pessoas olharem para mim. Estação Paraíso.

Era a hora de uma última investida do governo. Aviões bombardeiros começaram a sobrevoar a capital, despejando toneladas de dinamite sobre focos rebeldes. A cada explosão, eu mordia os lábios e pedia somente por alguns minutos de cessar-fogo para conseguir respirar em paz por uns momentos. Estação Ana Rosa.

Aos poucos, os rebeldes começaram a conquistar os principais aeroportos do país, impedindo novos bombardeios. E rumores de que a família presidencial planejava deixar o país cladestinamente em poucas horas começou a ganhar voz nas ruas. Eu, com a cabeça encostada numa janela do metrô, suado e branco feito um cadáver, consegui apenas pedir a Deus que “por favor, deixe por favor eu por favor chegar por favor vivo por favor em por favor casa por favor.” Estação Chácara Klabin.

O caminho do metrô até em casa se tornou praticamente uma Paixão de Rob – faltava só a coroa de espinhos. E, para piorar, o céu começou a trovejar – desta vez, de verdade – apesar do calor escaldante.

Restava saber apenas qual seria a pior das tempestades: a da atmosfera ou a outra, dentro de mim. Suando frio, pálido, eu me virei para o filho da Namorada e coloquei algumas estatísticas na mesa.

- Cara, no quesito “preciso ir ao banheiro ou vou morrer”, de zero a dez, estou em sete. No mínimo.

- Eu estou em oito. Aliás, você vai passar no mercado?

Na verdade, ir ao mercado seria uma missão fracassada de qualquer forma. Se eu fosse agora, morreria no caminho. Caso contrário, iria chover e eu nunca mais iria. Assim, decidi manter minha dignidade e me sacrificar da forma mais correta. Afinal, ao menos minha mãe receberia uma carta dizendo que eu morri no cumprimento do dever.

- Eu não tenho escolha. Eu preciso ir.

Num filme de guerra, o filho da Namorada teria colocado a mão no meu ombro de forma respeitosa e pedido para ir em meu lugar. Eu, por outro lado, diria a ele que não. Afirmaria que ele é jovem e precisaria continuar lutando para que meu sacrifício não fosse em vão. E ele diria que jamais se esqueceria disso.

Isso, claro, num filme de guerra. No mundo real, ele disse apenas:

- Então dá a chave aí que eu vou direto para casa, porque tá foda aqui.

- Você vai mesmo abandonar o barco?

- Mal aí, ele respondeu, arrancando a chave de mim e ido embora.

Eu estava na frente do mercado. Tudo o que eu precisava era um detergente e sacos de lixo. Mas já que eu iria morrer, ao menos daria uma última alfinetada no destino, e compraria uma garrafa de Coca.  Caio, mas caio em pé.

Mal sabia eu que o destino havia guardado o melhor para dentro do mercado.

(Continua aqui)

Em tempo: tem texto novo meu no Papo de Homem e no Malvadezas. E, de quebra, estou participando dos podcasts do Visitantes FC (e, em breve, com textos lá também). Prestigiem este pobre escriba e divirtam-se!

15 comentários:

Varotto disse...

Cara, estou começando a achar que você precisa disso. Não são os demônios que controlam o seu destino, na verdade, é você que esfrega na cara deles um "isso é tudo que vocês conseguem?!". Já estou até começando a simpatizar com aquela dupla que usa você como cobaia do inferno.

Bem, então deixe-me colocar a coisa da forma mais gentil que eu consigo no momento: você é retardado?! Em que dimensão comprar detergente e sacos de lixo é mais importante do que evitar se borrar todo no meio da rua?! A única vantagem é que vai poder se vestir com o saco e usar o detergente para se limpar.

Vamos ver no que vai dar...

Dani Cavalheiro disse...

"Eu praticamente chafurdei em espetos atrás de espetos. Picanha, linguiça, costela, costela de porco, alcatra, picanha, pão de alho, linguiça com pimenta, picanha, picanha, pão de alho e picanha."

Tirando o pão de alho, acho que tudo aí valeu a pena o sofrimento! Ou não, né, não sei o que vem pela frente.

Mauro J disse...

cara assim que comecei a ler o post lembrei de imediato da musica do Rogerio Skylab - Metro. Se esse post tivesse uma trilha sonora, essa seria "a musica"!

Fernanda disse...

Me diz só uma coisa: aonde foi o juízo que os seus neurônios deveriam ter? Ou o dosador de riscos biológicos que deveria ter sido instalado nessa sua cachola aí?!

Mas eu nem tinha ido na Comix!!! E se tivesse ido, lá mesmo eu já tinha hackeado a rede local e descobrir o banheiro semi-decente (essas horas estão sempre abertas a concessões) mais próximo e que gastaria menos passos e palavras de explicação para que eu chegasse... E se precisasse matar um para entrar no banheiro aonde-quer-que-fosse, eu mataria, aposto que na lei brasileira tem um atenuante pra isso. E se não tiver, eu digo que era TPM (sorry, vc não pode usar essa desculpa).

Cadê o resto? Pelo amor... vc conseguiu chegar em casa vitorioso, né!? Pq se não chegou, aposto que o BF tirou fotos e filmou e sei lá mais o quê, e te garanto que ele vai usar essa informação num futuro nem tão distante assim.

Poor Rob.

Michele disse...

Rob, na estação Paraíso tem banheiro, e vc só precisa pedir pra liberarem a cancela na ida e na volta. como vc já tava dentro, n precisaria pagar de novo.

Dudu disse...

Ri alto com o "Paixão de Rob", hahahaha

Camila disse...

Vc venceu essa guerra, né? Diz que sim, vai!

Rob Gordon disse...

Varotto:

Na verdade, isso ficou explicado no post seguinte, com a teoria da Progressão Aritmética e Progressão Geométrica.

Mas a sua ideia a respeito do que fazer com o saco de lixo e com o detergente é quase um episódio recusado de MacGyver!

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Dani:

Rendeu uma ótima refeição e dois posts - não tem como valer mais a pena :)

Beijos

Rob

Rob Gordon disse...

Mauro J:

Trilha sonora perfeita!

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Fê:

O problema de usar o banheiro da Comix é que eu não sei usar o banheiro sem ler algo. E, dentro da loja, eu demoraria dias e dias até escolher o que ler.

Mas, quanto a chegar em casa ou não... Acabei de postar o final da saga! Aqui, olha: http://www.champ-vinyl.blogspot.com/2012/03/o-post-escatologico-do-champ-parte.html

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Michele:

Vou me lembrar disso! Valeu pelo toque!

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Dudu:

vai por mim, a descrição foi literal e perfeita! :)

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Camila:

Acho que sim. Mas em toda guerra há baixas, você sabe...

Beijos!

Rob

David disse...

Eu gosto muito de seu blog e as histórias que você escreve a si mesmo. Recentemente encontrei este blog porque o cara de um Delivery em Vila Mariana me falou sobre esse site e desde aquele dia sempre que vou ler o que você colocar.